Docentes

Na América Latina, a questão docente vem ocupando um lugar de relevância na agenda pública. Os países destinam boa parte de seus recursos para sustentar o sistema educacional em seu conjunto, e uma parte significativa é atribuída à formação, avaliação, certificação e manutenção do exercício da docência. Este documento apresenta informações importantes para dimensionar e caracterizar a política docente na região.

Autoria: Gloria Calvo, sob a coordenação do IIPE UNESCO

1. Introdução

A docência é uma profissão determinante para garantir uma educação de qualidade, relevante e inclusiva para todas as pessoas. Para isso, os professores precisam de capacidades para aprimorar a qualidade do ensino e da aprendizagem e formar seus estudantes para administrar o conhecimento para transformar suas vidas e a sociedade. Esse propósito exige políticas que garantam programas de formação relevantes e de alta qualidade para promover um diálogo de saberes entre os estudantes, o que inclui não apenas habilidades disciplinares, mas também a capacidade de valorizar as opiniões dos outros, de pensar de forma crítica, reflexiva e colaborativa, além de lidar com as diferenças sociais e culturais em contextos vulneráveis.

A centralidade das políticas docentes está relacionada à importância do ensino e da aprendizagem, no entendimento de que os professores são profissionais da pedagogia e que dominam não apenas sua disciplina, mas também o que teóricos como Schulman (2005) chamam de conhecimento pedagógico do conteúdo. Esse saber seria a finalidade das diferentes etapas de sua formação e a carreira docente uma forma de seu reconhecimento social.

Dentro dessa estrutura, há várias dimensões que podem ser analisadas quando se fala em políticas docentes. A primeira tem a ver com a formação inicial. Refere-se aos estudos que os futuros docentes realizam para adquirir os conhecimentos necessários que os habilite a lecionar nos diferentes níveis do sistema educacional. A segunda dimensão a ser considerada é a formação continuada, que se refere a todas aquelas atividades realizadas pelo profissional após sua formação e que estão relacionadas à atualização tanto de conteúdos quanto de práticas pedagógicas para aprimorar o ensino. A terceira, conhecida como carreira docente, tem o objetivo de assegurar que a docência conte com uma série de regulamentações que garantam um caminho para o acesso e a permanência no serviço. Dessa forma, a seleção e o ingresso à docência são regulamentados, assim como seu sistema salarial, promoções e ascensões.

Essas três dimensões apontam o caminho para a análise das políticas docentes e possibilitam mostrar seus avanços e desafios na região. Essa introdução é seguida por uma descrição das características institucionais e das políticas sobre formação inicial, continuada e de carreira docente; depois, é apresentado um panorama dos dados regionais; e a conclusão expõe os velhos e novos desafios para as políticas docentes.

2. Características institucionais e políticas

A educação básica se expandiu na região ao longo do século 20. Os processos foram díspares segundo as realidades políticas, econômicas, sociais e culturais de cada país. Entretanto, nas últimas décadas, seguindo os padrões internacionais, houve um avanço na instalação do direito à educação e na tendência sustentada de estender o período de escolaridade obrigatória.

As ondas de reformas educacionais e as novas legislações estabeleceram de modo progressivo a obrigatoriedade do último ano do nível inicial em todos os países da região, desde os anos 90. Ao mesmo tempo, a extensão do ensino obrigatório concentrou-se no primeiro nível da educação secundária a partir dos anos 2000, e depois na maioria dos países foi estendida à secundária superior³.

Conforme analisado (López, 2007), as últimas leis de educação dos países latino-americanos estão estruturadas em torno de uma compreensão da educação como um direito, e propõem horizontes cada vez mais elevados com respeito à formação das novas gerações⁴. A tendência de universalizar e tornar obrigatórias novas etapas de escolarização reflete os esforços empregados pelas sociedades da região na tentativa de consolidar as bases para a inclusão educacional e social. Esta mudança de perspectiva nas estruturas normativas implica a obrigação do Estado de garantir uma oferta educacional universal e de qualidade em cada um dos níveis contemplados no novo cenário. Por exemplo, historicamente, a demanda por estabelecimentos de ensino no nível inicial ou na secundária superior estava concentrada principalmente em áreas urbanas e periurbanas, e em setores sociais situados nos estratos médios e altos da escala socioeconômica. A regulamentação atual, por outro lado, torna necessário garantir a oferta educacional em áreas geográficas ou sociais onde tal oferta não existia, como as zonas rurais ou as áreas de residência de setores mais marginalizados.

Em segundo lugar, o novo horizonte das políticas educacionais dos países, que exige que cada Estado garanta a todos os seus habitantes o acesso à totalidade do ciclo escolar obrigatório, leva à necessidade de promover ações que permitam àqueles que, por diversos motivos, interromperam suas trajetórias educacionais, retornar à escolaridade e reforçar o vínculo escolar com os que sofrem risco de abandonar a escola.

Finalmente, a obrigação de garantir o direito à educação de forma universal remete à necessidade de erradicar todas as formas de discriminação no funcionamento dos sistemas educacionais. Isso implica brindar atenção educacional à diversidade dos estudantes, com ênfase nos coletivos que historicamente sofrem diferentes formas de exclusão escolar.

Analisando especificamente as estruturas normativas que regem a inclusão e a equidade na educação, a Tabela 1 sistematiza as leis nacionais destinadas a garantir a inclusão educacional de todos os estudantes, sem discriminação.

Como é possível observar, os diferentes países promulgaram leis para avançar a inclusão de pessoas com deficiência. Em muitos casos, e em função de suas realidades históricas e culturais, também definiram normativas sobre educação bilíngue intercultural voltada para os povos indígenas e as comunidades afrodescendentes. Em termos gerais, essas leis referem-se à restituição dos direitos de grupos em situação de discriminação ou vulnerabilidade.

Na mesma linha, houve avanço nos últimos anos em termos de leis sobre igualdade de gênero e políticas integrais de atenção e educação para a primeira infância. Embora fosse apropriado considerá-las aqui, não foram objeto neste levantamento, já que existem documentos específicos para cada uma dessas áreas (para mais informações, consulte o Relatório sobre Educação e Gênero e o Relatório sobre a Primeira Infância).

Conforme analisado (López, 2007), uma vez promulgadas, essas leis são instrumentos políticos potentes. Consistem em horizontes que permite promover ações, convocar atores e mobilizar recursos. Entretanto, embora os compromissos legais façam parte do horizonte da política, não geram por si mesmos as mudanças para o pleno gozo do direito à educação. É através da política e do plano de ação educacional que se revela a forma como o Estado traduz estes horizontes em compromissos políticos concretos (IIPE UNESCO, 2020).

Neste sentido, os países da região contam com planos setoriais de inclusão e equidade na educação com o objetivo de brindar seu acesso à diversidade dos estudantes, especialmente aos grupos com maior risco de exclusão.

A Tabela 2 sistematiza planos nacionais de igualdade de oportunidades com foco em grupos étnicos, migrantes, populações em situações de vulnerabilidade social e educacional, e também pessoas com deficiência. As estratégias nacionais ou planos de educação inclusiva são paradigmáticas deste eixo. Por fim, existem também planos ligados aos direitos humanos e à educação cidadã. Cabe destacar que os diferentes modos de organização política, tradição e idiossincrasia de cada país incidem na hierarquia e no formato dado a cada uma dessas regulamentações e políticas, como também será visto mais adiante nos programas analisados.

Em suma, nas últimas duas décadas, os países latino-americanos tiveram avanços nas regulamentações para ampliar a escolaridade obrigatória e incorporar coletivos historicamente excluídos. Para isso, empreenderam processos de expansão de seus sistemas educacionais e modalidades alternativas para garantir as condições necessárias para contar com instituições escolares mais inclusivas.

3. Características institucionais e políticas¹

A importância da docência como fator associado à qualidade educacional, destacada durante a década de 90, levou os governos da região a elaborarem uma série de políticas dirigidas aos principais problemas que se tornaram evidentes na formação docente inicial e continuada, bem como na implementação da carreira. Assim, por exemplo, é reconhecida a necessidade de qualificar os programas de formação inicial, qualificar os professores para atender as metas de desenvolvimento sustentável, oferecer atualizações contextualizadas a partir dos problemas cotidianos das instituições educacionais e garantir o cumprimento da carreira docente em termos de seleção, ingresso, salários e promoções. Como apoio institucional, existe uma ampla gama normativa a respeito.

3.1 A formação inicial de docentes

A formação inicial (FI) na América Latina é muito heterogênea, tanto em termos institucionais quanto de planos de estudos e do setor que a fornece. Embora a região tenha começado a formar professores em instituições de ensino superior na década de 1990, alguns países ainda conservam as escolas normais e os institutos de formação docente, de modo que coexistem diferentes locus formativos.

A formação inicial é oferecida tanto pelo setor público quanto pelo privado, sendo o último preponderante na região (entre 40-85%, segundo dados do BID, 2017). Isso implica um desafio maior para os governos, pois a supervisão das instituições privadas pode ser mais complexa. Além disso, a duração dos estudos varia significativamente entre os diferentes países, variando de dois a cinco anos, dependendo do nível de ensino (OREALC/UNESCO, 2013a).

Um elemento essencial nas atuais políticas de formação inicial é a ênfase na prática, uma vez que os docentes se desempenham nas escolas ao mesmo tempo que o conhecimento pedagógico e disciplinar não são suficientes para enfrentar a sala de aula. Na América Latina, a porcentagem de formação prática varia entre 8 e 14% (BID, 2017). As políticas também buscam que professores experientes guiem e supervisionem as práticas dos futuros docentes, promovendo, em paralelo, uma relação mais estreita entre as instituições que formam os futuros docentes e os lugares de prática, ou seja, projetos educacionais compartilhados e colaboração para o acompanhamento dos praticantes.

Devido à autonomia das instituições de ensino superior, pode haver uma grande variação entre os programas de formação inicial em um mesmo país. Diante dessa situação, desde a década de 90, os governos da região implementaram uma série de políticas com o objetivo de melhorar a qualidade dos programas de formação, estabelecendo requisitos mais altos para o ingresso nos programas; maiores exigências para autorizar novos programas de educação; e o credenciamento e a regulamentação dos conteúdos da formação inicial.

2.1.1 Provas de admissão nos programas de formação inicial

Embora os países da região geralmente contem com provas de admissão para o ensino superior, não costumam definir pontuações específicas para os programas de graduação. Como resultado, as admissões ao ensino superior dependem principalmente das pontuações dos candidatos ao programa de formação e das vagas disponíveis em cada instituição universitária, uma situação que resulta principalmente em baixa seletividade para a entrada. Conforme mencionado, embora muitos países da região tenham provas de admissão para o ensino superior, até o momento somente o México e o Chile aplicam critérios mais rigorosos para o ingresso na formação inicial de docentes2.

2.1.2 O credenciamento dos programas de formação inicial

 O credenciamento de programas de formação de docentes é uma das estratégias que os sistemas educacionais têm para garantir sua qualidade. Isso requer padrões claros e verificáveis. Na região, os processos de credenciamento verificam principalmente os planos de estudo, a infraestrutura e a composição do corpo docente das instituições formadoras. Embora essas condições sejam importantes, os sistemas educacionais também deveriam verificar as competências dos formandos dos programas de formação inicial de docentes.

Atualmente, as principais funções regulatórias da formação inicial docente nos países da América Latina e do Caribe incluem a abertura e o fechamento de instituições e programas, aprovação do currículo, prova de admissão, prova de saída, nomeação de formadores e o credenciamento e monitoramento (OREALC/UNESCO, 2013a).

Exemplos disso são o Conselho de Avaliação, Credenciamento e Certificação da Qualidade da Educação Superior Não Universitária (CONEACES) do Peru e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) no Brasil, cujos principais componentes são a avaliação de instituições, cursos e desempenho dos estudantes.

O credenciamento de programas de FI e a definição de padrões exigem compromisso político dos governos devido aos interesses que podem ser prejudicados. Portanto, esses processos merecem uma implementação gradual e requerem a existência de órgãos supervisores para garantir uma qualidade mínima das instituições e dos programas.

2.1.3 Padrões e orientação curricular para a formação inicial de docentes

Os sistemas educacionais da região também regulamentam os currículos para a FI e procuram garantir que atendam às normativas desse nível de formação. As evidências mostram diferentes domínios. No México e no Peru, há currículos comuns obrigatórios para os cursos de educação oferecidos em instituições terciárias não universitárias. No caso do México, os regulamentos se aplicam às escolas normais que formam docentes que se desempenham até a nona série. No Peru, aplicam aos institutos superiores pedagógicos (ISP), enquanto as universidades têm autonomia para definir seus planos de estudo.

Para garantir a qualidade dos programas da formação inicial de docentes, os governos da região também avançaram na definição de padrões de diretrizes (Brasil, Argentina, Colômbia) ou referências para o bom ensino (Chile, Equador, Peru). O objetivo é fornecer uma definição esclarecedora e precisa para orientar a elaboração do currículo, as avaliações de egresso do programa e a entrada na carreira.

Os padrões são referências mais detalhadas sobre o que significa cada dimensão das competências desejadas, bem como sua verificação para posterior avaliação pelos órgãos governamentais. Além de estabelecer uma direção mais detalhada para os currículos, permitem orientar políticas de longo prazo, levando a determinar o que e quanto um professor pode creditar como competências em sua prática profissional. Nesse sentido, vale destacar que o Equador avançou significativamente na formulação de padrões das diferentes disciplinas que compõem o currículo nacional da educação básica (Louzano e Moriconi, 2013).

A fim de garantir uma educação de qualidade para todas as pessoas, independentemente de suas condições de origem (ODS 4), os currículos de formação inicial de docentes devem contemplar de maneira explícita o desenvolvimento de competências pedagógicas para a inclusão educacional. Na região, os currículos exibem uma presença sistemática dos temas de inclusão e diversidade, com diferenças entre os países, entre uma vertente que enfatiza os problemas e desafios em termos sociocríticos e outra que os interpreta em termos de interculturalidade (OREALC/UNESCO, 2018). Os currículos combinam conceitos de inclusão em perspectiva socioeconômica e intercultural macro com conceitos de inclusão ligados à infância com necessidades educacionais especiais. Cabe destacar que duas das ferramentas metodológicas consideradas decisivas para uma pedagogia de inclusão – elaboração de planos individuais e conhecimento pedagógico para um ensino efetivo em contextos desfavorecidos – não constam nitidamente nos currículos e nas práticas de formação docente dos países.

Nos currículos de formação docente, também é constatada uma evolução geral na busca por ampliar e enriquecer a visão de inclusão, o que passa por identificar como barreiras a desvantagem socioeconômica e as necessidades especiais até fatores culturais e étnicos, de gênero e de circunstâncias específicas dos estudantes (aptidões, estado de saúde, situação familiar de risco, entre outros).

3.2 Formação continuada

Ao analisar as políticas docentes, a segunda dimensão está relacionada à formação continuada. Cabe observar que não existe uma única maneira de nomeá-la. Às vezes, é denominada como formação em serviço, capacitação, atualização, reciclagem. A crítica a esses termos refere-se ao fato de que desconhecem os saberes dos professores e deixam implícito uma posição de subordinação em relação à formulação de políticas educacionais. Em contraste, a noção de desenvolvimento profissional docente (DPD) refere-se às diferentes trajetórias que um professor realiza enquanto exerce a profissão, e permite integrar tanto a formação inicial quanto a continuada. No entanto, e seguindo Vezub (2019), este documento opta por utilizar o conceito de formação docente continuada (FDC) porque, embora haja uma tendência a essa conceituação, nem todos os sistemas se referem ao desenvolvimento profissional docente.

Em sua maioria, as leis nacionais de educação se referem à formação, capacitação, aperfeiçoamento ou atualização dos professores. Na região, é possível identificar diversos tipos de instituições que executam ações, cursos, tutoria nas escolas ou outras formas de FDC: instituições educacionais públicas (institutos superiores e universidades), órgãos governamentais em diferentes níveis de administração, instituições educacionais privadas, empresas ou fundações e organizações sindicais (Vezub, 2019). Alguns países possuem institutos ou organismos específicos dedicados à função de FDC3. É o caso da Argentina, do Chile, da Costa Rica, de El Salvador e da República Dominicana.

Nessa dimensão, podem ser observados avanços na América Latina, desde conceituações próximas ao desenvolvimento profissional dos docentes até a formulação de programas associados a dependências ou organismos estabelecidos para esse fim, bem como o reconhecimento de diversas alternativas que apresentam uma riqueza de propostas. Assim, a FDC aponta a necessidade de que ela se concentre na prática e permita modificar as rotinas, ao mesmo tempo em que oferece formas inovadoras de trabalhar com os estudantes.

A partir da perspectiva da aprendizagem situada, foram propostos processos de acompanhamento em áreas consideradas essenciais para o desempenho acadêmico, fortalecendo a aprendizagem com o outro (Calvo, 2013), apoiando as redes de professores, as comunidades de prática e os projetos de centro. Também buscaram articular a avaliação docente com propostas de formação para qualificar seu trabalho em sala de aula.

Em suma, a FDC dá uma virada em direção à aprendizagem situada e reconhece o papel da escola como um espaço para a formação, dada a importância das condições institucionais para o exercício da docência. Entretanto, sua institucionalização, requisitos e modalidades apresentam grande heterogeneidade nos países analisados.

O Equador se destaca na região com o SíProfe, vinculado a um diagnóstico nacional da formação docente, avaliação e promoção na carreira docente. Esse sistema integra as ofertas credenciadas com uma análise cuidadosa dos conteúdos, dos agentes formativos e do impacto da formação nas práticas. Também vale destacar a FDC oferecida pelo Peru, com programas orientados para o perfil de egresso, pois busca articular a formação docente com as referências de desempenho e os diferentes domínios que eles contemplam: preparação para a aprendizagem dos estudantes; a preparação para o ensino; a preparação para a gestão da escola articulada com a comunidade; e o desenvolvimento do profissionalismo e da identidade docente. Por sua vez, e com o objetivo de trabalhar em programas de FDC em instituições educacionais, o Ministério da Educação da Colômbia vem implementando há vários anos o programa Todos a aprender, que se concentra em um melhor desempenho em linguagem e matemática. O que se destaca neste caso é uma proposta de aprendizagem situada (ou seja, através da escola), baseada em problemas identificados na prática docente, com o apoio de mentores – professores das áreas formados para esse fim – endossada pelo ministério como uma política de qualidade educacional.

Os programas de FDC também devem incluir diferentes estratégias para dar apoio aos docentes que estão iniciando seu trabalho profissional, também denominados professores novatos. As evidências indicam que os primeiros anos de experiência têm um impacto significativo na eficácia dos docentes (BID, 2017). Por esse motivo, alguns países da região começaram a implementar programas para qualificar os professores iniciantes, geralmente com o apoio de mentores ou acompanhantes. Entretanto, a eficácia desses programas depende da qualidade do mentor, de sua formação e da duração do acompanhamento, situação que consiste em um desafio para os sistemas educacionais. Por isso, países como o Chile e o Peru concentram esses programas de indução em docentes principiantes com menos de dois anos de experiência. O Equador avançou na definição de critérios para a seleção e formação de mentores para programas de FDC (Vaillant, 2018). A Costa Rica também conta com o programa de aprendizagem entre pares Mentoría Docente, uma estratégia de relação horizontal e colaborativa.

Também há registros de que a região está começando a implementar programas de indução para diretores dos centros educacionais, dada a complexidade de sua função, já que envolve tanto a gestão administrativa quanto a pedagógica.

Em termos gerais, nos diferentes países da América Latina, é possível observar uma sistematização e regulamentação gradual nos processos de FDC, expressa por meio de indicadores como: diretrizes e referenciais que estabelecem modelos, objetivos e princípios; órgãos encarregados da FCD, sejam eles descentralizados ou vinculados aos ministérios; definição de prioridades, parâmetros de qualidade para os programas de FCD, além da definição explícita das habilidades e competências associadas a essas formações; mecanismos de credenciamento e avaliação de instituições e programas de FCD; programas e planos nacionais com variadas linhas de ação e destinatários; e centros de recursos em nível zonal e departamental para apoiar o desenvolvimento profissional docente.

Com frequência, em muitos países da região, universidades, institutos descentralizados e fundações também oferecem programas de FDC. Da mesma forma, há ofertas de FDC de organizações internacionais por meio de alianças e convênios, como os estabelecidos pela OEI na Colômbia e na República Dominicana com entidades como as secretarias e ministérios da educação. Apesar dessas regulamentações, é difícil afirmar que exista algum acompanhamento da qualidade e da relevância dessas ofertas e, mais ainda, em termos dos efeitos sobre as práticas docentes. Essa é uma dificuldade de longa data que ainda não foi resolvida, pois em muitos sistemas educacionais as ofertas de FDC ainda favorecem a formação de pós-graduação com estudos de especializações, mestrados e doutorados, que na maioria dos casos não estão vinculados à trajetória docente (Martínez et al., 2015).

A Tabela 3 mostra o avanço da região quanto à institucionalização das políticas de FDC.

3.3 Carreira docente

A terceira dimensão está relacionada à carreira docente. As carreiras docentes na América Latina são plataformas legais bastante diferentes, com variações significativas em sua orientação técnica e na forma de entender a docência. Sua importância está na regulamentação da prática profissional, na medida em que estabelece um trajeto a ser seguido para garantir a qualificação e o bom desempenho do docente, bem como o reconhecimento de seu trabalho mediante salários e incentivos de acordo com seu profissionalismo.

As carreiras docentes podem ser agrupadas em três grandes grupos a partir de duas características: a amplitude e a duração da carreira (medidas por estratégias de promoção horizontal e vertical); e a incorporação de mecanismos de avaliação com consequências de alto impacto, ou seja, avaliação de desempenho que pode levar à desvinculação do trabalho (Cuenca, 2015, p. 8).

O primeiro grupo inclui a maioria das carreiras da região. São baseadas na antiguidade e no acúmulo de certificações. O Estado garante a estabilidade do serviço, exceto em caso de falta moral grave. Essas carreiras são conhecidas como credencialistas ou de primeira geração. Elas são encontradas na Argentina, Bolívia, Guatemala, Honduras, Cuba, México, Panamá, Uruguai, República Dominicana, El Salvador e Venezuela.

O segundo grupo é formado pelas carreiras em transição, que, além das condições citadas, incluem a avaliação de desempenho. Os casos da Colômbia, Chile e Peru se encontram em transição, devido a processos de reforma incompletos.

O terceiro grupo compreende as carreiras mais recentes, nas quais a avaliação de desempenho é privilegiada, associada a abordagens meritocráticas que favorecem a promoção horizontal. São denominadas de segunda geração. Correspondem ao que, na terminologia da OCDE, é reconhecido como emprego público baseado em méritos (Cuenca, 2015). Essas carreiras, nitidamente meritocráticas, incorporam processos de avaliação de desempenho, orientação para resultados e sistemas de promoção e incentivos. As carreiras docentes no Equador e no México são ilustrativas dessa abordagem.

Assim, a tendência das políticas docentes é o reconhecimento da docência como profissão e a garantia, por meio da carreira docente, de uma trajetória que assegure a meritocracia e o reconhecimento do bom desempenho.

2.3.1 Legislação que regulamenta a carreira docente na América Latina

Os corpus legislativos que regulam a carreira docente na América Latina cobrem um amplo espectro temporal, desde regulamentos emitidos na década de 1950 (como o da Argentina) até os mais recentes (como o do México). Também são muito diversos em seu caráter (leis gerais, decretos orgânicos, normativas associadas à constituição do país) e na forma como entendem à docência, sendo os mais avançados aqueles destinados a alcançar o desenvolvimento profissional docente.

Nesse sentido, cabe destacar o Sistema de Desenvolvimento Profissional Docente do Chile (2016), por seus avanços na conceituação do trabalho docente em um contexto de desenvolvimento profissional e porque se aplica a todos os professores, sejam do setor público ou privado; o Estatuto de Profissionalização Docente da Colômbia (2002), cujo principal objetivo é garantir a idoneidade profissional dos que exercem a docência, partindo do reconhecimento de sua formação, experiência, desempenho e competências ao longo de sua carreira profissional; a Lei Orgânica de Educação Intercultural do Equador (2011), que estabelece os direitos, as obrigações e as regulamentações básicas para a estrutura, os níveis, a gestão, o financiamento e a participação dos atores do sistema educacional, incluindo os professores; a Lei Geral do Serviço Profissional Docente do Equador (2011), que estabelece os direitos, as obrigações e as regulamentações básicas para a estrutura, os níveis, a gestão, o financiamento e a participação dos atores do sistema educacional, incluindo os professores; a Lei Geral do Serviço Profissional Docente do México (2013), que estabelece os critérios, termos e condições para a entrada, a promoção, o reconhecimento e a permanência no serviço profissional docente; e, finalmente, no Peru, a Carreira Pública Magisterial (2007) – que foi a primeira tentativa no país de estabelecer uma carreira docente baseada no mérito, mas era obrigatório apenas para os vinculados a partir de determinada data – e a posterior Lei de Reforma Magisterial (2015), que visava estabelecer as condições necessárias para uma adequada seleção, progressão e desenvolvimento profissional do professor.

 Embora as mudanças nas leis sejam um passo importante para a carreira docente, o que pode trazer mais mudanças em prol de sua qualificação é a maneira com que essas regulamentações se materializam na seleção, entrada, avaliação e promoção de docentes na região.

A Tabela 4 apresenta um panorama detalhado da estrutura normativa da carreira docente na América Latina.

2.3.2 Entrada na carreira docente

Os sistemas educacionais precisam identificar os melhores egressos das instituições de formação docente para vinculá-los ao sistema de carreira docente. A tendência na região é recrutar segundo as vagas existentes.

Primeiro, os interessados devem participar de concursos para a entrada. Em seguida, os vencedores dos concursos são designados para escolas públicas. Em terceiro lugar, os docentes novatos participam de programas de indução destinados a facilitar sua inserção à profissão e à escola. Por fim, alguns países estabeleceram períodos probatórios, em que se observa a capacidade didática dos docentes em sala de aula e, ao final do período, é determinado se são eficazes e se devem obter um cargo permanente. Tradicionalmente, os concursos públicos de entrada na carreira docente se concentram em analisar o histórico acadêmico e os anos de experiência dos candidatos. Mais recentemente, porém, os processos de seleção docente começaram a levar em conta o conhecimento da disciplina e o pedagógico, as habilidades comunicativas e a capacidade didática. Como se trata de um processo de etapas eliminatórias, apenas os candidatos aprovados nas provas de conhecimento passam à etapa em que demonstram seu desempenho (Cuenca, 2015). A Colômbia inclui entrevistas; o Equador, aulas demonstrativas; o Peru, ambos os instrumentos. No Chile e no Brasil, as etapas e os instrumentos do concurso são determinados por cada município.

Alguns países da região estabelecem um período probatório antes que o professor selecionado no concurso público entre definitivamente na carreira docente. Essa decisão parte de evidências de que os primeiros anos de docência são os de maior curva de aprendizagem (OCDE, 2014). Isso implica que a eficácia dos docentes é mais bem conhecida quando começam a trabalhar nas escolas e que é possível identificar maiores diferenças na efetividade dos profissionais após observá-los por um ano do que no momento da contratação. Por isso, alguns sistemas educacionais estão começando a integrar o período probatório como um requisito para o ingresso na carreira docente. Esse é um mecanismo pelo qual é possível desvincular os docentes que se mostrarem ineficazes. Na região, Brasil, Colômbia, Equador e México contam com períodos probatórios. Sua duração varia: enquanto na Colômbia pode variar de quatro meses a um ano, no México e no Equador é de dois anos e, no Brasil, de três anos. Em geral, ao final do período probatório, são avaliados o cumprimento dos requisitos, os conhecimentos e as habilidades para o desempenho do cargo.

Com base na análise dos casos do Equador, Peru, Chile, Colômbia e México (BID, 2017), é possível identificar uma rota promissora para o ingresso na carreira docente como materialização das legislações mais avançadas em políticas docentes.

2.3.3 Salários

Na América Latina, um passo muito importante foi dado para garantir que existam alocações orçamentárias para o pagamento dos salários dos professores. Na maioria dos países, os docentes são funcionários públicos e seus salários são garantidos pelo orçamento nacional para os anos fiscais correspondentes. No caso do Brasil, com uma organização federal e amplas diferenças econômicas entre os estados, a lei 11.738 de 2008 garante um subsídio básico sem distinção para todos os docentes do país. Em geral, os subsídios salariais dos docentes incluem bônus por serviço, por funções diretivas e por trabalho em áreas rurais ou vulneráveis.

Nos países que implementaram a carreira docente, os salários estão associados ao plano de carreira docente, que, em geral, contempla níveis e séries associadas a somas fixas e outra variável determinada pela categoria. As evidências sugerem que salários mais altos podem atrair melhores candidatos para exercer a docência e contribuir para recuperar o prestígio da profissão. O aumento dos salários é mais relevante em países onde há uma grande diferença entre os salários dos professores e os de outros profissionais.

Estruturas salariais mais flexíveis que reconheçam o desempenho poderiam atrair e reter jovens prestigiosos interessados na docência. Portanto, é desejável que a eficácia do docente entre como um fator salarial, e não apenas a formação e a antiguidade. Vários países da região estão começando a avançar nesse sentido. O Equador e El Salvador contemplam na remuneração dos professores fatores associados ao bom desempenho, enquanto o México já está considerando a possibilidade de salários associados a promoções horizontais.

As carreiras docentes meritocráticas, como estão começando a ser formuladas em alguns países da região, requerem a especificação de competências e domínios, conforme estipulado pelo Chile (com o Marco para la Buena Enseñanza) e pelo Peru (com o Marco del Buen Desempeño Docente).

2.3.4 Incentivos

Muitos governos da América Latina oferecem incentivos econômicos e não econômicos para atrair professores aos lugares onde são mais necessários. Por exemplo, são outorgados benefícios aos que trabalham em escolas rurais, bilíngues ou de baixo nível socioeconômico. Entretanto, ainda não se sabe efetivamente se esses incentivos conseguem atrair os melhores professores para essas escolas. O Peru concede até 37% do salário de um professor iniciante, enquanto o Chile premia os professores de escolas vulneráveis que apresentam bom desempenho. Na Argentina, as províncias pagam componentes adicionais por exercer a atividade da docência em áreas geográficas desfavorecidas (áreas rurais dispersas ou áreas isoladas). Também contam com a figura do "presentismo", em compensação pela assiduidade e pelo cumprimento de horários.

No Peru, como complemento ao novo processo de seleção e dentro da estrutura da política de revalorização docente promovida pelo Ministério da Educação, desde 2015 é concedido um Bônus de Atração à Carreira Pública Magisterial. Esse bônus consiste em um incentivo econômico para os professores que ocupam o terço superior nos concursos públicos à carreira docente, e é concedido anualmente em partes iguais durante os três primeiros anos de serviço.

Os incentivos não monetários estão associados a oportunidades que contribuem para o desenvolvimento profissional de docentes. No Peru, os professores de zonas rurais podem subir na carreira mais rapidamente do que os das zonas urbanas. No Chile, os docentes de escolas vulneráveis recebem apoio para estudos de pós-graduação e para a compra de materiais didáticos. Na Colômbia, os docentes recebem apoio das secretarias regionais e municipais para processos de formação de pós-graduação. Os regulamentos da Nicarágua, Paraguai e Venezuela destacam o desempenho, a pesquisa e a eficiência dos serviços como critérios para acessar incentivos. No entanto, em termos gerais, a região está longe de contar com incentivos que assegurem que a carreira docente seja uma oportunidade de recompensar os bons professores em modalidades horizontais que garantam que os melhores professores não precisem abandonar a sala de aula para ter outras oportunidades de reconhecimento.

4. Panorama em dados

Os professores são um fator primordial para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Especificamente, o ODS 4 da Agenda 2030 incita os Estados a "assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos". Entre suas metas, está a de "substancialmente aumentar o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento". Na região latino-americana, há aproximadamente 6 milhões de professores para o ensino fundamental e médio (UIS-UNESCO, s.d.). A maior quantidade de docentes está concentrada no nível secundário (3,3 milhões), enquanto no nível primário a cifra é de cerca de 2,7 milhões.

Em 2020, países como Colômbia, Costa Rica, República Dominicana e El Salvador contavam com mais de 90% dos professores com requisitos de certificação para lecionar em seu nível designado, situação que mostra um grande esforço em termos de formação e compromisso com o cumprimento dos ODS (UIS-UNESCO). Eram seguidos do Equador e do México.

Os dados do UIS também mostram que na Costa Rica, em Cuba e no Uruguai há uma proporção menor de professores preparados segundo o número de estudantes que atendem por nível educacional.

A situação dos docentes na região é diversa, embora, em termos gerais, seja caracterizada por um acentuado viés de gênero na profissão, o que se reflete na feminização dos cargos docentes. Essa feminização é maior no nível inicial (mais de 90%) e no ensino fundamental. A Guatemala é o país com a menor porcentagem de mulheres docentes em todos os níveis de ensino.

Com relação aos salários dos docentes, os dados atuais do UIS nos permitem afirmar que são ligeiramente superiores aos de profissionais com formação similar, com exceção da Argentina, Chile e Costa Rica. Nesse panorama de dados, destacam-se os casos da República Dominicana (que mais do que dobra essa proporção, com uma média de mais de 2,5 para todos os níveis educacionais), Honduras e Equador. Na República Dominicana, um programa ambicioso foi realizado nos últimos anos para revalorizar a docência como profissão, com a promulgação de padrões para seu desempenho e com programas de formação em competências para o século 21, que estão começando a ter um impacto nos resultados das aprendizagens. Trata-se de ações de política docente amparadas em um novo Pacto Educacional (2020). No caso do Equador, o aumento dos salários docentes fez parte das políticas educacionais associadas à publicação da Lei de Educação Intercultural Bilíngue e, especificamente, aos processos de reforma da formação docente do início dos anos 2000.

Os dados dos salários dos professores na região também mostram variações de acordo com o nível educacional em que a docência é exercida, com a menor média salarial no nível inicial. Como fator de desigualdade, cabe observar que tanto no nível pré-escolar quanto no primário há uma ampla representação de docentes mulheres.

Por fim, se for considerada a remuneração total da equipe como porcentagem do gasto total nas instituições públicas, há variações significativas entre os países. No Peru e na Costa Rica, excede ligeiramente 50% do gasto, enquanto em El Salvador chega a 92%.

 

Em suma, os dados mostram uma grande variabilidade nos resultados das políticas docentes na região.

● Não apenas a proporção de professores com as qualificações mínimas exigidas por nível educacional varia em mais de 30 pontos entre os países, mas também há diferenças entre os níveis dentro de cada país.

● O mesmo ocorre com o indicador sobre a proporção de docentes formados em relação ao número de estudantes por nível educacional, cujos números variam de 9 pontos em Cuba a 30 pontos no Peru e em El Salvador.

● A feminização da docência é uma constante em todos os países, especialmente no nível inicial.

● O indicador que reflete o salário médio dos professores em relação a outras profissões que exigem um nível de qualificação comparável mostra diferenças de até dois pontos entre os países, com a República Dominicana na melhor posição.

● A remuneração total da equipe como porcentagem do gasto total em instituições públicas tem um comportamento semelhante, com valores que oscilam entre 53% no Peru e 92% em El Salvador.

5. Avanços e desafios

A região avançou em políticas para qualificar a formação docente inicial com medidas que incluem: o credenciamento de programas e a definição de padrões para o bom desempenho docente; a formação em serviço cada vez mais institucionalizada e baseada em problemas detectados pelos professores em sua prática nas escolas; uma carreira docente orientada à meritocracia e sustentada por avaliações de desempenho. Todas essas medidas são acompanhadas por estruturas normativas que as apoiam.

No entanto, ainda persistem problemas antigos relacionados à formação docente inicial, que não foram resolvidos com sua elevação ao nível terciário após as reformas educacionais nos anos 90.

Nesse sentido, esta seção apresenta algumas áreas temáticas que ainda demandam estudos ou decisões políticas para que se possa avançar na questão docente. Propomos classificá-las como velhos e novos desafios.

Em seguida, apresentamos uma série de velhos desafios para as políticas docentes.

1) Garantir uma formação inicial docente de qualidade 

Embora o credenciamento dos programas de formação inicial seja uma política na região, ele ainda não fornece os resultados necessários para garantir a qualidade da formação. Alguns países relatam situações que ilustram a pouca ou escassa verificação dos critérios definidos nos parâmetros para o aval das licenciaturas em educação.

2) Alinhar a formação inicial aos padrões de desempenho docente e à educação inclusiva

Muitos países da região formularam padrões para a formação docente inicial e definiram parâmetros para o bom desempenho dos professores. Embora esta seja uma política que contribui para a qualidade de sua formação, ela pode apresentar algumas particularidades que exigiriam ajustes, como é o caso da educação intercultural. Alguns padrões tendem a deixar de fora os docentes indígenas, pois sua formação básica é deficiente para os critérios estabelecidos – principalmente porque os países optaram pelo domínio da língua indígena em detrimento da formação profissional –, resultando em um déficit de professores indígenas para as escolas (Schmelkels e Ballesteros, 2020).

3) Enriquecer as experiências culturais dos que estão ingressando na docência

Os países da região precisam elaborar estratégias que aumentem o capital social e cultural dos futuros docentes (Reyes, 2004). Nesse sentido, é necessário fortalecer a mobilização de recursos materiais e simbólicos para promover estratégias que apoiem aqueles que estão ingressando na profissão. O trabalho colaborativo, a formação de tutores e acompanhantes e a reflexão sobre a prática docente podem ajudar nesse propósito.

4) Integrar a carreira docente ao Desenvolvimento Profissional Docente (DPD)

Embora alguns países da região tenham avançado na vinculação da carreira docente e do desenvolvimento profissional, ainda há um longo caminho a percorrer. Além disso, a carreira docente poderia incluir um plano de carreira que envolvesse atividades associadas ao desempenho dos professores de destaque como tutores, consultores e professores de professores.

Da mesma forma, a política de incentivos ainda precisa ser ampliada para incluir opções não monetárias, como expedições, estágios, anos sabáticos, apoio à sistematização de práticas inovadoras em sala de aula, bem como pesquisas pedagógicas.

5) Dar seguimento a programas inovadores na formação inicial de docentes

Na região, existem propostas de formação docente que buscam desenvolver competências para inovar na gestão da sala de aula. Na Universidade Católica do Chile, por exemplo, estão sendo implementadas as chamadas práticas generativas. Seria interessante monitorar seus resultados a fim de derivar políticas para o alcance da aprendizagem na perspectiva dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Vaillant, 2018).

6) Aprimoramento da gestão pedagógica

As políticas docentes ainda não resolveram como formar para a aprendizagem ao longo da vida. As práticas ainda se limitam em aspectos administrativas ou disciplinares, esquecendo a importância da formação do pensamento crítico e da criatividade, entre outras competências exigidas nos contextos atuais.

7) A formação de formadores de docentes

A formação dos formadores de docentes ainda carece dos requisitos para gerar as mudanças exigidas pelos novos docentes. Apesar de muitas vezes terem fortes credenciais acadêmicas, suas práticas pedagógicas não são as mais inovadoras, situação que afeta o desempenho dos futuros professores, que reproduzem as formas de ensino com as quais foram formados. Também é comum que os formadores exerçam a docência nas escolas durante poucos anos, e não muitos fazem pesquisas sobre temas relacionados ao ensino e à didática (Vaillant, 2017). Isso resulta em uma falta de exposição aos contextos sociais particulares vivenciados diariamente nas salas de aula e, portanto, uma maior dificuldade em transmitir aprendizagens situadas aos docentes em formação.

Em seguida, são apresentados novos desafios para as políticas docentes.

8) Formar para o desenvolvimento de competências e habilidades do século 21

Embora esses requisitos para a formação de professores já apareçam na teoria educacional, é necessário fomentar planos e programas que promovam o pensamento crítico nas práticas docentes, o uso de diferentes formatos comunicativos na sala de aula com a ajuda da tecnologia, o desenvolvimento de habilidades interpessoais, bem como a formação para a gestão de conflitos e, em geral, a complexidade da convivência.

9) Formar para o desenvolvimento de pedagogias inclusivas

Estratégias pedagógicas inclusivas precisam ser sistematicamente incorporadas à formação docente para que os futuros professores tenham condições de enfrentar os desafios do ensino na perspectiva da agenda global para a educação 2030.
Portanto, é necessário que as instituições formadoras de docentes incorporem sistematicamente as pedagogias de inclusão em seus currículos, através de conteúdos específicos e não apenas de maneira transversal, articulando-as com cursos pedagógicos e disciplinares e fornecendo ferramentas específicas para a docência em sala de aula nesses âmbitos.
Da mesma forma, as instituições formadoras devem enfatizar as práticas como o espaço formativo privilegiado para a formação em pedagogias para a inclusão; em particular, aquelas que familiarizam os futuros docentes com o trabalho pedagógico em contextos vulneráveis.

É preciso dar atenção especial à formação para a assistência de populações que, como no caso das indígenas, têm sido tradicionalmente marginalizadas do sistema educacional ou têm sido atendidas com modelos que não são relevantes para sua organização social e cultural.

10) Articular a formação de pós-graduação com a transformação das práticas pedagógicas

Muitos planos de formação docente em serviço incitam os professores a realizarem estudos de especialização, mestrado e doutorado. Mesmo para as universidades, os centros de pesquisa e não poucas instituições, os professores são os beneficiários naturais de seus programas, sem questionar sua pertinência para a transformação das práticas pedagógicas. Seria conveniente revisar essas estratégias de promoção na carreira docente e, na certificação dessas propostas de formação, analisar seu impacto na possível qualificação do ensino e da aprendizagem.

Para atender aos objetivos do desenvolvimento sustentável, há campos que merecem ser incluídos no conteúdo dos programas de formação docente, como a educação inclusiva, a educação em contextos rurais e a educação para atender a vulnerabilidade das populações, sejam elas condições de origem ou associadas a desastres naturais ou pandemias.

11) Recuperar o conhecimento pedagógico associado ao gerenciamento da pandemia de covid-19

A pandemia, que levou ao fechamento prolongado das escolas, impôs novos desafios aos docentes, que vão desde a gestão pedagógica – nivelamento e aceleração da aprendizagem – até os ajustes curriculares – o que deve ser ensinado versus o que é possível ensinar –, passando pela coleta e o reconhecimento de experiências de inovação, fruto das limitações da presencialidade. Os professores da região foram recursivos nas formas de atender seus estudantes na pandemia, uma situação que merece ouvir suas experiências e, em um futuro próximo, projetar políticas de base, ou seja, a partir desses aprendizados. Isso exigirá sistematizar essas práticas inovadoras e a análise de seus resultados.

Em resumo, como vimos ao longo deste documento, as políticas docentes envolvem não apenas programas de formação inicial e em serviço, mas também estratégias que vão além das discussões acadêmicas sobre seu conteúdo. Essas políticas exigem sinergias entre as instituições e as diferentes instâncias de ordem nacional, regional e local, a fim de articular as múltiplas ações projetadas pelos sistemas educacionais para garantir a qualidade da docência e, portanto, uma educação para todos, independentemente de suas condições de origem.

Não há dúvidas de que houve avanços na região. No entanto, é necessário ter presente que as políticas docentes são dinâmicas, uma condição que exige reflexão contínua sobre os contextos e a maneira como as próprias políticas contribuem ou não para os principais objetivos dos sistemas educacionais e sua visão de país. Por isso, esses balanços se fazem importantes.

6. Referências Bibliográficas

Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID] (2017). Profesión Profesor en América Latina. ¿Por qué se perdió el prestigio y cómo recuperarlo?

Calvo, G. (2013). El desarrollo profesional docente: el aprendizaje profesional colaborativo. Em: UNESCO, Temas críticos para formular nuevas políticas docentes en América Latina y El Caribe: el debate actual (p. 112-152).

Cifuentes, C. (2013).Estatuto de profesionalización docente en Colombia. Análisis de los dos estatutos vigentes. Universidade Nacional.

Cuenca, R. (2015). Las carreras docentes en América Latina. La acción meritocrática para el Desarrollo Profesional. OREALC/UNESCO Santiago.

Louzano, P. e Moriconi, G. (2013). Visión de la docencia y caracterización de los sistemas de formación docente. Em: UNESCO, Temas críticos para formular nuevas políticas docentes en América Latina y El Caribe: el debate actual (p. 10-54).

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Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico [OCDE] (2014). Guía del profesorado TALIS 2013: Estudio internacional sobre enseñanza y aprendizaje. https://doi.org/10.1787/9789264221932-es

Escritório Regional de Educação da UNESCO para a América Latina e o Caribe [OREALC/UNESCO Santiago] (2018). Formación inicial docente en competencias para el siglo XXI y pedagogías para la inclusión en América Latina. Análisis comparativo de siete casos nacionales.

OREALC/UNESCO Santiago (2013a). Antecedentes y criterios para la elaboración de políticas docentes en América Latina y el Caribe.

OREALC/UNESCO Santiago (2013b). Temas críticos para formular nuevas políticas docentes en América Latina y El Caribe: el debate actual.

República Dominicana (2020). Pacto Nacional para la Reforma Educativa en la República Dominicana.

https://siteal.iiep.unesco.org/sites/default/files/sit_accion_files/siteal_republica_dominicana_0349.pdf

Reyes, R. M. (2004). Los espacios enriquecidos del Programa de Educación Infantil de la Universidad Pedagógica Nacional. Un intento por renovar el proceso formativo de los maestros de niños. Revista Colombiana de Educación, 47.

Schmelkes, S. e Ballesteros, A. D. (2020). Formación de docentes indígenas en algunos países de América Latina. IIPE UNESCO.

Schulman, L. S. (2005). Conocimiento y enseñanza: fundamento de la nueva reforma. Revista de currículum y formación de profesorado, 9(2).

Instituto de Estatística da UNESCO (UIS) (s.d.). Banco de dados. http://data.uis.unesco.org/

Vaillant, D. (2013). Las políticas de formación docente en América Latina. Avances y desafíos pendientes. Em: M. Poggi (Ed.), Políticas docentes. Formación, trabajo y desarrollo profesional (p. 45-57). IIPE UNESCO.

Vaillant, D. (2017). Formación inicial de profesores en América Latina, contexto de actuación, dilemas y desafíos. Em: J. Garrido Miranda, V. Vega Córdova, A. Bustos Ibarra (Coords.), De los fundamentos a las prácticas: algunos desafíos en la formación inicial docente. Ediciones Universitarias de Valparaíso.

Vaillant, D. (2018). Resultados de la primera convocatoria sobre innovaciones prometedoras en la formación inicial docente. Programa regional para el desarrollo de la profesión docente en América Latina y El Caribe. PREDALAC- CAF-Banco Mundial- OEA- OEI.

Vezub, L. (2019). Las políticas de formación docente continua en América Latina. Mapeo exploratorio en trece países. IIPE UNESCO.

 

7. Notas de rodapé

[1] A informação corresponde apenas ao nível nacional dos governos. Este documento não analisa ações de formação e os programas territoriais desenvolvidos por governos subnacionais.

[2] No Chile, para entrar na FI deve-se estar entre os 30% melhores resultados das provas de admissão ao ensino superior. O México regulamenta a entrada à formação em escolas normais, exigindo uma pontuação mínima de 900 no exame nacional de admissão (EXAN-I), cuja pontuação padronizada varia de 700 a 1300, ou uma prova de conhecimentos similar aplicada pelas mesmas normais. No entanto, apenas 11 dos 32 estados adotaram essa normativa.

[3] Para mais informações, consultar Políticas de formação docente continuada na América Latina. Mapeamento exploratório em 13 países, por Lea Vezub.

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